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Carta aberta do Izabela Hendrix sobre a PEC nº 171/93, que trata da redução da maioridade penal

por Instituto Metodista Izabela Hendrix — publicado 16/04/2015 05h00, última modificação 15/12/2015 16h18

Em ocasião da tramitação no Congresso Nacional, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 171/93, que trata da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, lembramos do papel da Igreja como anunciadora de novos tempos de mudança e transformação social, em conexão com a presença do reino de Deus e a ação do Espírito Santo na vida das pessoas. Conforme afirma o Plano para a Vida e Missão da Igreja: "A Igreja Metodista no Brasil é parte da Igreja Metodista na América Latina e no mundo, ramo da Igreja Universal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sensível à ação do Espírito Santo, reconhece se chamada e enviada a trabalhar com Deus neste tempo o lugar onde ela está. Neste tempo, fazemos uma escolha clara pela vida, manifesta em Jesus Cristo, em oposição à morte e a todas as forças que a produzem." Segundo o Revmo. Bispo Paulo Lockmann, em pronunciamento oficial da Igreja Metodista sobre a Redução da Maioridade Penal, é dever da igreja "denunciar os mecanismos que produzem tal criminalidade", numa atitude profética na sociedade.

O Instituto Metodista Izabela Hendrix e suas instituições mantidas, o Colégio Metodista e Centro Universitário Izabela Hendrix, em comunhão com a Igreja Metodista do Brasil, afirma sua firme posição contra a redução da maioridade penal.

A questão sobre a redução da maioridade penal deve-nos levar a uma profunda reflexão sobre nossa responsabilidade no combate à violência, na promoção da cultura da vida e da paz e no cuidado e proteção de nossas crianças e adolescentes, mais ainda tendo a certeza de que o Estado, a Sociedade e a Família não têm cumprido adequadamente seu dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação. A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens. Nesta situação é mais fácil prender do que educar. Seguindo o Credo Social da Igreja Metodista (item V, nº10), assumimos o cuidado de nossa juventude, a qual representa alta potencialidade no país e são vitimadas por uma elite discriminatória, que não tem nenhum interesse na heterogeneidade da convivência social, através dos direitos humanos, garantidores do equilíbrio e dignidade humana a todos e todas. Por isso afirmamos que educar é melhor e mais eficiente do que punir.

Criminalizar o adolescente não resolve a questão da violência, mas a agrava ao somente penalizá-lo e negar-lhe o caminho da educação, além de ignorar as verdadeiras causas dela. Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. Reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime, pois são recrutados mais cedo.

A tendência mundial é fixar a maioridade penal em 18 anos e prever existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto. No Brasil já existe uma lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA-, que deveria ser cumprida integralmente. A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas, tem o objetivo de ajudá-lo a  recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

A prisão não é resposta a esse desafio. O sistema prisional brasileiro, que está superlotado e não tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência, tem demonstrado ser uma "escola do crime". Enquanto no sistema socioeducativo o índice de reincidência é de 20%, nas prisões é de 70%.

Cabe lembrar ainda que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos. Os jovens em conflito com a lei infratores são a minoria: apenas o 0,5% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros entre 12 e 18 anos. E também são mais vítimas do que responsáveis pelo aumento da violência que nos assusta a todos, especialmente pelos crimes de homicídio. De acordo com a ONG "Conectas Direitos Humanos", a maioria dos adolescentes internados na Fundação Casa, em São Paulo, foi detida por roubo (44,1%) e tráfico de drogas (41,8%). Já o crime de latrocínio atinge 0,9% e o de homicídio, 0,6%. Por outro lado, de 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinados, ou seja, 24 por dia!

Medidas como esta da redução da idade penal têm caráter, apenas, de vingança. Perante a campanha sistemática de meios de comunicação e determinados grupos sociais a favor do ódio, a violência e a repressão como solução aos problemas do nosso país, o Instituto Metodista Izabela Hendrix quer afirmar sua fé no Deus de Jesus Cristo, Deus da vida, da justiça e da paz. A fé Nele nos impede de ficar indiferentes perante a dor e o sofrimento das nossas crianças e adolescentes. Acreditamos num futuro diferente de vida plena que passa pela construção conjunta da paz e da justiça.

 

Belo Horizonte, 15 de abril de 2015.