Você está aqui: Página Inicial / Humanidades1 / Artigos / O lugar da Filosofia nas Humanidades

O lugar da Filosofia nas Humanidades

por Thiago Tamošauskas publicado 13/11/2015 15h52, última modificação 13/11/2015 15h52
O lugar da Filosofia nas Humanidades
por José Aparecido 

 

Após o predomínio da racionalidade cognitivo-instrumental e do primado da técnica nos dois últimos séculos, ressurge nos meios acadêmicos uma forte preocupação em se ter as artes e as humanidades – literatura, filosofia e história – como eixos fundamentais da produção do saber científico. Tal preocupação já começa a tomar corpo no interior de diversas agremiações profissionais. A medicina, por exemplo, durante boa parte de sua história, teve o humanismo como fonte quase exclusiva do saber médico. Isso teria mudado a partir do século XIX, quando o desenvolvimento das ciências biológicas, em confluência com a física, a química e a matemática, determinou uma reorganização do saber médico, desconsiderando paulatinamente as fontes das humanidades. 


O anseio por um saber em harmonia com o ser humano e o meio ambiente veio justamente com a constatação dos déficits e abusos da ciência, apropriada ultimamente pela lógica capitalista apenas em função de sua utilidade técnica e o ilimitado desejo de poder, como bem lembrou o filósofo Karl Jaspers. 

Coube à própria filosofia o papel de engendrar as diretrizes e propostas para uma “nova ciência”, mediante manifestos em favor de uma nova ética (Jonas, 1995), da dignidade da vida humana (Habermas, 2004), e do conhecimento prudente (Santos, 2005), em oposição ao crescente caráter instrumental e utilitarista da ciência (Lacey, 1999). 

O que almejam os filósofos da ciência? Estão alarmados com a previsão das conseqüências da ação científica para a vida como um todo no planeta. Resgatar espaço para as humanidades no espaço universitário não se trata apenas de evocar o princípio humanista do sofista Protágoras de Abdera (sec. V a.C.), para quem “o homem é a medida de todas as coisas”, tão alardeado durante o Renascimento. Mas, sobretudo o de buscar princípios e paradigmas capazes de reorientar o fazer científico para harmonizar o ser humano com a natureza. 

Dentre esses novos paradigmas, temos o contrato natural de Michel Serres - um acordo não-assinado, que reconhece um equilíbrio entre “a força de nossas intervenções globais e a globalidade do mundo” (1991, p.59). Bruno Latour também observa as recentes reações da natureza às intervenções humanas como uma chave para entendermos a não-modernidade do mundo em que vivemos - uma retenção dos excessos da razão e de seus dualismos, do pensamento crítico, ou uma retenção das relações de propriedade e dominação da razão sobre os seus objetos do conhecimento (Latour, 1997). 

Em outro encaminhamento contra uma sociedade dominada pela técnica, Boaventura de Souza Santos propõe o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente, por meio das duas dimensões do princípio da comunidade: participação e solidariedade. Neste paradigma conhecimento-emancipação, a solidariedade torna-se a forma hegemônica de saber. Para ele é necessário “relativizar as pretensões cognitivas da racionalidade cognitivo-instrumental”, em reconhecimento dos limites do conhecimento como forma de resgatar as tradições epistemológicas marginalizadas na modernidade ocidental (Santos, 2005). 

Além da comunidade acadêmica, a opinião pública deve ter um papel preponderante nessa reorientação. Até porque o mecanismo para se promover estas estratégias passa, se não exclusivamente, sobretudo pela via do consenso público. Não se pode olvidar o grande público (ou uma parcela especializada deste) para fazer tramitar, entre os grupos especializados (comunidade científica, jurídica, intelectuais etc.), os interesses, riscos e escolhas para orientar a atividade científica. 

Princípios como responsabilidade (Jonas, 1995), precaução (Lacey, 2006), conhecimento prudente, solidariedade e participação (Santos, 2005), contrato natural (Serres, 1991), jamais sairão do campo teórico-moral numa sociedade despolitizada se não forem engendrados com a formação e capacitação de uma opinião pública, uma vez que “a solução dos problemas decorrentes da insuficiência do conhecimento científico, só superada a longo prazo, foi confiada ao direito” (Santos, 2005, p.185). 

E se precisamos construir consenso, capacitar a opinião pública a um agir político que reordene o fazer científico, isso só será possível se resgatarmos o saber humanístico em nossas instituições de ensino. E a Filosofia, como disciplina humanística, possui em sua raiz histórica não apenas as condições, mas o dever de cooperar com este reposicionamento. Como bem afirmou o filósofo Nietzsche: “Nós somos mais livres do que jamais o fomos para lançar o olhar em todas as direções; nós não percebemos limite algum. Temos essa vantagem de sentir em volta de nós um espaço imenso - mas também um vazio imenso...” 

Referências 

HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004. 
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1965. 
JONAS, H. El princípio de responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Herder, 1995. 
LACEY, H. O Princípio de Precaução e a autonomia da ciência. Scient. Stud., v.4, n.3, p.373-92, 2006. 
LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaio sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru: EDUSC, 2001. 
______. Jamais fomos modernos - ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. 
OLIVEIRA, J. A.; EPSTEIN, I. Tempo, ciência e consenso: os diferentes tempos que envolvem a pesquisa científica, a decisão política e a opinião pública. Em INTERFACE COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.13, n.29, p.165-175, abr./jun. 2009. 
SANTOS, B.S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2005.